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O Coprocessamento de Resíduos Industriais no Brasil: Análise Técnica, Ambiental e Estratégica

 


O Coprocessamento de Resíduos Industriais no Brasil: Análise Técnica, Ambiental e Estratégica

Resumo Executivo

O coprocessamento emerge como uma tecnologia madura e fundamental na gestão moderna de resíduos, posicionando-se como uma solução ambientalmente adequada e economicamente viável para a destinação final de uma vasta gama de resíduos industriais e urbanos. A tecnologia consiste na utilização desses resíduos como combustíveis alternativos ou matérias-primas na produção de cimento, aproveitando as condições térmicas extremas dos fornos de clínquer para a destruição completa e segura dos materiais.

Este relatório analisa o coprocessamento sob uma perspectiva multifacetada, destacando seus principais benefícios, desafios operacionais e o arcabouço regulatório que o sustenta no Brasil. A tecnologia contribui de forma significativa para a redução da pegada de carbono da indústria cimenteira, substituindo combustíveis fósseis e mitigando a emissão de gases de efeito estufa, como o metano, que seriam liberados em aterros sanitários. Além disso, fomenta a economia circular, preserva recursos naturais e oferece uma solução definitiva para passivos ambientais.

O panorama brasileiro revela uma atividade em crescimento, com volumes coprocessados e taxas de substituição térmica em constante expansão, refletindo o alinhamento da indústria com metas globais de descarbonização. A evolução regulatória, exemplificada pela Resolução CONAMA 499/20, demonstra a crescente confiança no processo e o seu reconhecimento como uma ferramenta essencial para o desenvolvimento sustentável.

Apesar das vantagens, o setor enfrenta desafios logísticos, a necessidade de investimentos contínuos em pré-tratamento e monitoramento, e a gestão da percepção pública. A análise aprofundada indica que a segurança do processo está intrinsecamente ligada à sua correta execução e fiscalização, não à tecnologia em si. O relatório conclui com recomendações estratégicas para todos os elos da cadeia de valor, visando maximizar o potencial da tecnologia e assegurar sua operação de forma transparente e segura.

1. Introdução: O Coprocessamento como Pilar da Economia Circular

1.1. Definição e Princípios Fundamentais do Coprocessamento

O coprocessamento é uma tecnologia robusta e sustentável de destinação final de resíduos, que integra a destruição de materiais descartados com o processo de fabricação do cimento.1 Essencialmente, ele permite que resíduos industriais e, em alguns casos, urbanos, sejam utilizados como combustíveis alternativos para os fornos de cimento, em substituição parcial aos combustíveis de origem fóssil, ou como matéria-prima alternativa em substituição a recursos minerais virgens.2

O processo começa com a transformação de materiais residuais gerados por diversas fontes industriais em um composto homogêneo, denominado "blend".4 Esse material é então preparado para ser injetado nos fornos das fábricas cimenteiras, onde as condições ideais de alta temperatura garantem sua combustão completa e segura.1 A natureza do coprocessamento é dual: enquanto destrói o resíduo de forma definitiva e ambientalmente segura, aproveita sua energia e/ou seus minerais para a produção de clínquer, a principal matéria-prima do cimento.7 Esse ciclo de reaproveitamento de materiais que seriam considerados passivos ambientais em recursos valiosos para a produção industrial é um exemplo concreto da aplicação da economia circular.9

1.2. O Coprocessamento no Contexto da PNRS e da Economia Circular

A adoção do coprocessamento no Brasil está profundamente alinhada e é impulsionada pela Política Nacional de Resíduos Sólidos (PNRS), instituída pela Lei nº 12.305 de 2010.11 A PNRS estabelece uma hierarquia de gestão de resíduos que prioriza a não geração, a redução, a reutilização, a reciclagem e, em seguida, o tratamento e a recuperação energética, deixando o aterro sanitário como a última das alternativas.12

O coprocessamento se encaixa perfeitamente na etapa de recuperação energética, oferecendo uma alternativa técnica e ambientalmente superior ao descarte em aterros, especialmente para resíduos não recicláveis.10 A legislação, ao criar um arcabouço para a destinação "ambientalmente adequada" de resíduos, gerou a demanda para a qual a indústria de cimento ofereceu uma solução industrial viável para grandes volumes de materiais. Essa relação de causa e efeito entre a política pública e a adoção tecnológica é evidente no crescimento da atividade no país.13 A tecnologia oferece uma via para erradicar os lixões e reduzir a pressão sobre os aterros sanitários, que se esgotam rapidamente, promovendo uma gestão mais eficiente e sustentável.13

1.3. Breve Histórico e Adoção Global

A tecnologia do coprocessamento não é uma inovação recente. Ela é amplamente praticada na Europa, nos Estados Unidos e no Japão há cerca de 40 anos, com sua implementação inicial remontando à década de 1970.1 No Brasil, a introdução do coprocessamento ocorreu no início da década de 1990, com a Votorantim Cimentos sendo uma das pioneiras em 1991.10

O primeiro tipo de material utilizado como combustível alternativo foi o pneu inservível, que representava um significativo passivo ambiental, sendo criadouro para mosquitos transmissores de doenças como a dengue.3 A escolha inicial por esse tipo de resíduo ilustra como a adoção da tecnologia foi impulsionada, em seus primórdios, pela necessidade de solucionar problemas ambientais específicos e de grande visibilidade. A partir dessa experiência, a tecnologia se expandiu para outros resíduos, evoluindo de uma ferramenta para resolver problemas pontuais para uma estratégia abrangente e sistemática de gestão de resíduos para diversas cadeias industriais, incluindo os setores de alumínio, energia elétrica, petroquímica e automobilística.3

2. O Mecanismo Técnico e Operacional do Coprocessamento

2.1. A Indústria Cimenteira como Ambiente Ideal

A produção de clínquer, o principal componente do cimento, é um processo industrial extremamente exigente em termos de energia térmica.10 Os fornos rotativos utilizados operam em condições únicas que são ideais para a destruição de resíduos, alcançando temperaturas que variam entre 1.450°C e 2.000°C.3 Essa alta temperatura, combinada com o longo tempo de residência dos gases e a intensa turbulência no interior do forno, garante a destruição completa de resíduos orgânicos perigosos, com eficiência superior aos padrões exigidos para incineradores convencionais.1

O forno de cimento, portanto, não é apenas um consumidor de energia, mas um sistema de destruição térmica altamente eficiente e seguro. A fusão da necessidade energética da indústria cimenteira com a demanda por uma destinação segura de resíduos de outras indústrias resulta em um modelo industrial simbiótico. O coprocessamento aproveita a infraestrutura já existente e o ambiente de alta inércia térmica dos fornos, tornando-o um processo de gestão de resíduos tanto economicamente vantajoso quanto ambientalmente correto.1

2.2. O Processo de Pré-tratamento: Da Coleta à Produção de Combustíveis Derivados de Resíduos (CDR)

O coprocessamento é um processo de engenharia que vai muito além da simples queima de resíduos. Ele exige um pré-tratamento rigoroso e controlado para garantir a segurança da operação e a qualidade do produto final.5 A primeira etapa envolve a coleta dos resíduos em suas diversas fontes de geração e o transporte para unidades de tratamento especializadas.17

Nessas unidades, os resíduos passam por um processo detalhado de preparação, que pode incluir trituração, segregação de materiais indesejados (como metais e plásticos não combustíveis) e mistura controlada.5 O objetivo é transformar um conjunto heterogêneo de resíduos em um material homogêneo e de composição conhecida, o "blend" ou Combustível Derivado de Resíduos (CDR).4 Durante essa fase, análises laboratoriais são realizadas para determinar parâmetros críticos, como o poder calorífico, o teor de umidade e os teores de cloro e de cinzas, garantindo que o blend atenda às especificações técnicas da cimenteira.19 A complexidade e o rigor do pré-tratamento reforçam que o coprocessamento é uma solução tecnológica sofisticada, e não um descarte irresponsável.

2.3. Resíduos Adequados e Inadequados: Critérios de Aceitação

A seleção de resíduos para o coprocessamento é regida por critérios técnicos e normativos rigorosos. A norma ABNT NBR 10004 de 2004 é a base para a classificação de resíduos sólidos em perigosos (Classe I) e não perigosos (Classe II), sendo um dos fundamentos para a gestão adequada desses materiais.15

O coprocessamento pode tratar uma ampla variedade de resíduos, incluindo pneumáticos usados, borras oleosas, lodos industriais, solventes, plásticos, biomassas (como casca de arroz e bagaço de cana) e até resíduos sólidos urbanos (RSU), desde que passem por um pré-tratamento adequado.3 No entanto, a aceitação final depende do potencial energético da fração orgânica e do valor material da fração mineral do resíduo.16

O processo também possui limitações claras. Resíduos radioativos, explosivos, e resíduos domiciliares brutos são estritamente proibidos.16 Além disso, a concentração de determinados elementos, como metais pesados voláteis e cloro, é um fator limitante.21 Um alto teor de cloro, por exemplo, pode levar à formação de dioxinas e furanos e danificar o equipamento, o que sublinha a importância da análise e do controle de qualidade do blend.28

A seguir, a Tabela 1 resume os principais critérios de aceitação de resíduos para o coprocessamento:

Tabela 1: Critérios de Aceitação de Resíduos para Coprocessamento

Tipo de ResíduoCritérios de AceitaçãoNormas de Referência
Resíduos Aceitos (Exemplos)Alto poder calorífico, valor material da fração mineral. Ausência ou baixo teor de contaminantes proibidos.

CONAMA 499/20 21

ABNT NBR 10004 22

Pneus usados, borras oleosas, lodos industriais, plásticos, biomassas, RSU (pré-tratado) 3

Resíduos Proibidos (Exemplos)

Resíduos radioativos, explosivos, domiciliares brutos, e outros que comprometam a qualidade do produto ou o controle do processo.16

Resolução CONAMA nº 264/1999 (revogada, mas serve de base histórica) 16

CONAMA 499/20 26

Parâmetros de Controle

- Poder Calorífico: Determina o potencial energético do resíduo.16

- Teor de Cloro Total: Controlado para evitar a formação de dioxinas/furanos e corrosão do equipamento.21

- Metais Pesados: Monitorados para evitar emissões atmosféricas perigosas.21

CONAMA 499/20 21


3. Análise Detalhada dos Benefícios Estratégicos

3.1. Vantagens Ambientais e Climáticas

O coprocessamento é uma ferramenta poderosa para a sustentabilidade, com benefícios ambientais diretos e mensuráveis. Um dos mais significativos é a redução da emissão de gases de efeito estufa (GEE).7 A indústria cimenteira, responsável por aproximadamente 7% das emissões globais de CO2, gera uma parcela substancial dessas emissões pela queima de combustíveis fósseis.30 Ao substituir combustíveis como o coque de petróleo por resíduos com alto poder calorífico, o coprocessamento mitiga essas emissões de forma substancial.3 A Votorantim Cimentos, por exemplo, reportou uma taxa de substituição térmica de 26,5% em 2022, com a ambição de atingir 53% até 2030, demonstrando o papel central da tecnologia na descarbonização do setor.31

Além disso, a destruição de resíduos que de outra forma iriam para aterros sanitários evita a decomposição anaeróbica e a consequente liberação de metano (CH$_4$), um gás de efeito estufa 80 vezes mais potente que o CO2.6 A tecnologia também contribui para a preservação de recursos naturais, já que o uso de resíduos como matéria-prima alternativa e combustível reduz a necessidade de extração de minerais de jazidas e de combustíveis fósseis.3

3.2. Benefícios Econômicos e Operacionais

Do ponto de vista econômico, o coprocessamento oferece uma dupla vantagem.9 Para a indústria cimenteira, a substituição de combustíveis fósseis tradicionais por combustíveis derivados de resíduos gera uma redução significativa nos custos de energia, um dos maiores insumos do setor.8 Um estudo de caso estimou uma redução anual de R$ 6,34 milhões para uma taxa de substituição de 15% de coque de petróleo por combustível alternativo.30

Para as indústrias geradoras de resíduos, o coprocessamento representa uma solução licenciada, segura e rastreável para a destinação de seus passivos ambientais, que muitas vezes seriam caros e difíceis de descartar. O que antes era um custo com aterro, passa a ser uma oportunidade de negócio ao encontrar uma via de destinação que agrega valor ao material.9 Essa prática, portanto, fomenta um ecossistema de negócios que valoriza resíduos e promove a eficiência financeira das empresas envolvidas.8

3.3. Contribuição para a Saúde Pública

O coprocessamento também traz benefícios diretos para a saúde pública. A eliminação definitiva de passivos ambientais, como pneus inservíveis, remove criadouros potenciais para o mosquito Aedes aegypti, vetor de doenças como dengue, zika e chikungunya.3 Essa contribuição para a erradicação de pragas urbanas demonstra o impacto positivo da tecnologia que vai além do contexto industrial, alcançando a sociedade como um todo.


4. Marco Regulatório e Desafios de Conformidade no Brasil

4.1. Legislação Essencial: Da Resolução CONAMA 264 à 499

O coprocessamento no Brasil é uma atividade fortemente regulada. A primeira norma de referência foi a Resolução CONAMA nº 264/1999, que estabeleceu os critérios iniciais para a atividade.2 No entanto, a legislação evoluiu para refletir a maturidade da tecnologia e a crescente necessidade de alinhamento com a agenda de sustentabilidade.

Em 2020, o Conselho Nacional do Meio Ambiente (CONAMA) aprovou a Resolução nº 499/2020, que revogou a anterior e modernizou o marco regulatório.29 A nova resolução reconheceu o coprocessamento como uma forma de "destinação final ambientalmente adequada" e se alinhou aos conceitos de economia circular, economia de baixo carbono e uso sustentável dos recursos naturais.6 As inovações da norma incluem a permissão para o coprocessamento de novos materiais, como medicamentos vencidos e resíduos de saúde autoclavados, e a exclusão de biomassas dos critérios de licenciamento, o que agiliza o processo e estimula a utilização de fontes renováveis.29 A evolução da legislação, da CONAMA 264 para a 499, demonstra uma confiança crescente na tecnologia, reconhecendo-a não apenas como uma forma de descarte, mas como um motor para a transição energética e a gestão de resíduos mais abrangente.

4.2. O Processo de Licenciamento Ambiental e Requisitos de Operação

Para que a atividade de coprocessamento seja realizada, é mandatório obter o licenciamento ambiental junto ao órgão competente, que inclui a Licença Prévia (LP), a Licença de Instalação (LI) e a Licença de Operação (LO).11 A Resolução CONAMA 499/20 estabelece requisitos rigorosos para o processo, garantindo que as empresas tenham sistemas de controle e monitoramento adequados.21

4.3. Monitoramento de Emissões e Controle de Poluentes

O monitoramento contínuo das emissões atmosféricas é um pilar da segurança no coprocessamento.12 A legislação exige a descrição e a eficiência dos equipamentos de controle de poluição atmosférica, bem como um plano de automonitoramento que contemple a localização, os parâmetros e a periodicidade das amostragens.21

A queima em altas temperaturas nos fornos de cimento garante a destruição da maioria dos poluentes.24 Contudo, a atenção a substâncias como dioxinas e furanos e metais pesados é crucial. Estudos indicam que, com o monitoramento e o controle adequados, as emissões de fornos que coprocessam resíduos podem ser iguais ou até inferiores às de fornos que utilizam apenas combustíveis fósseis.16

A seguir, a Tabela 2 apresenta um panorama da legislação chave para o coprocessamento no Brasil.

Tabela 2: Panorama da Legislação de Coprocessamento no Brasil

LegislaçãoDescriçãoJurisdição
Lei nº 12.305/2010

Institui a Política Nacional de Resíduos Sólidos (PNRS), que estabelece a hierarquia de gestão de resíduos, onde o coprocessamento se enquadra na recuperação energética.11

Federal
Resolução CONAMA nº 499/2020

Dispõe sobre o licenciamento da atividade de coprocessamento de resíduos em fornos de clínquer, modernizando os critérios e refletindo a evolução da tecnologia.26

Federal
Norma Técnica CETESB P4.263

Procedimento para utilização de resíduos em fornos de produção de clínquer.33

Estadual (São Paulo)
ABNT NBR 10004/2004

Classifica os resíduos sólidos em perigosos (Classe I) e não perigosos (Classe II) com base em seus riscos potenciais, servindo de base para a aceitação de resíduos.22

Nacional
Decreto Nº 10.936/2022

Estabelece que resíduos perigosos (Classe 1) com características de inflamabilidade devem ser destinados à recuperação energética, como o coprocessamento, proibindo sua destinação final em aterros.37

Federal

5. Avaliação Crítica e Perspectivas para a Segurança e Sustentabilidade

5.1. Riscos à Saúde Ocupacional e da Comunidade

Apesar da segurança técnica do processo, a sua implementação prática exige atenção a potenciais riscos. Estudos sobre saúde ocupacional em países em desenvolvimento indicam que a ausência ou o uso inadequado de Equipamentos de Proteção Individual (EPIs) pode expor os trabalhadores a riscos, independentemente da tecnologia em si.36 Essa discrepância entre a segurança intrínseca do processo e os riscos reais na execução aponta para a importância da gestão de segurança e da cultura organizacional, para além da mera tecnologia.

A aceitação pública é outro desafio para o setor.2 O termo coprocessamento é, por vezes, associado à incineração sem controle, gerando preocupações sobre a saúde das comunidades vizinhas às fábricas. Contudo, a rigorosa regulamentação e o monitoramento contínuo das emissões buscam assegurar que a operação seja segura para a população e o meio ambiente.11

5.2. A Diferença Conceitual entre Coprocessamento e Coincineração

É importante distinguir o coprocessamento da incineração tradicional. Enquanto a incineração foca na destruição térmica para redução de volume, o coprocessamento é uma operação de reúso e destinação final em que o resíduo substitui o combustível e/ou a matéria-prima, valorizando-o duplamente.38 Em alguns contextos acadêmicos, o termo "coincineração" é usado quando o resíduo é empregado estritamente como fonte de combustível.36 O termo coprocessamento, no entanto, é mais amplo e preciso, pois abrange o uso do resíduo tanto para fins energéticos quanto materiais, o que está mais alinhado com os princípios da economia circular.


6. Panorama do Mercado Brasileiro e Estudos de Caso

6.1. Estatísticas Atuais e Taxas de Substituição

O coprocessamento no Brasil tem demonstrado um crescimento expressivo. O "Panorama do Coprocessamento – Brasil 2022 (ano base 2021)" revelou que 2,408 milhões de toneladas de resíduos foram coprocessadas pela indústria cimenteira, representando um aumento de 25% em relação ao ano anterior.15 Esse crescimento reflete um movimento estratégico do setor em direção à descarbonização.

A taxa de substituição térmica, que mede a porcentagem de combustíveis fósseis substituídos por resíduos, também tem aumentado. Em 2021, essa taxa era de 26%.15 A Votorantim Cimentos, uma das líderes do setor, já alcançou 26,5% em 2022 e estabeleceu uma meta ambiciosa de 53% até 2030.31 Esses dados demonstram que o coprocessamento é uma estratégia central para o futuro da indústria, permitindo-lhe conciliar competitividade (redução de custos) e sustentabilidade (redução de GEE).

6.2. Análise de Exemplos de Empresas e Operações

O mercado de coprocessamento no Brasil é impulsionado por grandes grupos industriais e empresas especializadas em gestão de resíduos.

  • Votorantim Cimentos: A empresa é uma das pioneiras no país e opera a Verdera, uma unidade de soluções ambientais que gerencia e prepara resíduos para o coprocessamento, oferecendo o serviço para diversas indústrias.39

  • Cimento Apodi: A empresa utiliza a tecnologia em sua fábrica em Quixeré, no Ceará, focando na eliminação completa de resíduos e na produção de clínquer de alta qualidade.7

  • SP Cim e Mizu: O panorama de 2022 aponta a presença de fábricas desses grupos industriais nas cidades de Suzano e Mogi das Cruzes, respectivamente, demonstrando a atuação da tecnologia em uma das maiores regiões industriais do país.41

Empresas de gestão de resíduos como Proamb, Nova Ambiental e Verdera são cruciais na cadeia de valor, atuando no pré-tratamento e na "blendagem" dos materiais antes de sua destinação final nas cimenteiras.4

6.3. O Potencial para Atingir a Neutralidade de Carbono

A indústria do cimento é uma grande consumidora de energia e, historicamente, uma fonte significativa de emissões de CO2, com 40% dessas emissões provenientes da queima de combustíveis fósseis.30 A substituição desses combustíveis por alternativas com menor pegada de carbono é a principal estratégia do setor para descarbonizar sua produção. Nesse contexto, o coprocessamento não é apenas uma prática sustentável, mas um pilar fundamental para atingir metas globais, como a neutralidade de carbono até 2050.10


7. Conclusões e Recomendações Estratégicas

7.1. Análise SWOT do Coprocessamento

A análise detalhada do coprocessamento de resíduos industriais revela um panorama complexo, com oportunidades e desafios significativos. A tecnologia possui as seguintes características:

  • Forças: É uma tecnologia madura, comprovadamente segura e alinhada à PNRS e à economia circular. Oferece uma dupla vantagem, resolvendo um problema de destinação de resíduos e gerando valor energético e material. Seu potencial para mitigar emissões de GEE é um dos maiores do setor industrial.

  • Fraquezas: Requer altos investimentos em infraestrutura de pré-tratamento e logística. A operação é tecnicamente complexa e exige um controle rigoroso para garantir a conformidade ambiental e a qualidade do produto final.

  • Oportunidades: O aumento da demanda por soluções de resíduos sustentáveis e o endurecimento das regulamentações 37 impulsionam o crescimento do mercado. A evolução da legislação (Resolução CONAMA 499/20) e as metas globais de descarbonização criam um ambiente favorável para o investimento e a expansão da atividade.10

  • Ameaças: A percepção pública negativa sobre a queima de resíduos e a falta de conhecimento sobre o rigor técnico do processo representam uma barreira. O risco de não conformidade e a necessidade de fiscalização constante são desafios para garantir a segurança ambiental e ocupacional.

7.2. Recomendações para Geradores de Resíduos e Empresas do Setor

Com base na análise, as seguintes recomendações são apresentadas para os principais stakeholders:

  • Para Geradores de Resíduos: As empresas devem buscar parcerias com empresas de gestão de resíduos licenciadas e com histórico comprovado de rastreabilidade do material.32 O coprocessamento deve ser visto não como um mero descarte, mas como uma estratégia para transformar um passivo em uma vantagem competitiva, melhorando a imagem de sustentabilidade da empresa.

  • Para a Indústria Cimenteira: O setor deve continuar a investir em pesquisa e desenvolvimento para aumentar as taxas de substituição térmica, aprimorar os sistemas de monitoramento de emissões e promover a transparência do processo junto às comunidades locais e à sociedade. A comunicação clara sobre os benefícios e a segurança da tecnologia é crucial para construir confiança e combater a desinformação.

  • Para o Setor Público e Reguladores: É fundamental fortalecer a fiscalização das operações de pré-tratamento e nas cimenteiras, garantindo que o cumprimento das normas seja a regra e não a exceção. O setor público também pode atuar no fomento da atividade, oferecendo incentivos fiscais para a adoção da tecnologia e promovendo a educação ambiental sobre as vantagens do coprocessamento na gestão de resíduos.

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